O enigma do Lago Desaparecido da Irlanda: entre a lenda dos cavalos fantasmas e a ciência por trás de suas águas misteriosas.

Além de sua singularidade geológica, Loughareema carrega uma atmosfera sobrenatural alimentada por séculos de folclore celta.

(Imagem Ilustração/Créditos:GilAlves)

Na Irlanda do Norte, em meio às paisagens verdes e montanhosas do Condado de Antrim, existe um lago que desafia tanto a ciência quanto o imaginário popular: o Loughareema, mais conhecido como o “Lago Desaparecido”.

O nome vem de um fenômeno natural incomum: suas águas simplesmente desaparecem e retornam em intervalos imprevisíveis, transformando o local em um verdadeiro espetáculo natural que intriga moradores, turistas e estudiosos.

Além de sua singularidade geológica, Loughareema carrega uma atmosfera sobrenatural alimentada por séculos de folclore celta.

A mais famosa dessas histórias fala sobre cavalos fantasmas e uma carruagem espectral que ainda rondaria o lago em noites enevoadas.

A fusão entre mito e ciência transforma esse lago em um dos destinos mais enigmáticos da Irlanda, onde o místico e o natural coexistem lado a lado.

A lenda dos cavalos fantasmas do Loughareema

De acordo com os relatos locais, no século XIX, uma carruagem puxada por cavalos tentou atravessar a área em uma noite escura e chuvosa.

O motorista não percebeu que o lago estava cheio e acabou sendo engolido pelas águas, junto com os passageiros e os animais. Desde então, diz-se que, quando o lago desaparece, é possível ouvir o som de relinchos, cascos batendo no chão e o rangido de rodas invisíveis.

Essas aparições são associadas às lendas dos kelpies, criaturas da mitologia celta que assumem a forma de cavalos para atrair viajantes incautos. No folclore irlandês e escocês, os kelpies vivem próximos a rios e lagos e podem ser tanto protetores quanto predadores.

No caso do Loughareema, acredita-se que os cavalos fantasmas sejam espíritos guardiões, marcando sua presença cada vez que o lago se enche ou seca.

O mito ganhou força porque a região é envolta em neblina frequente, e os sons da natureza, como o vento passando pelas colinas ou o ranger das árvores – facilmente se confundem com ruídos de carruagens e cavalos.

Para os moradores, a fronteira entre o real e o sobrenatural é tênue nesse local, reforçando a aura mística do lago.

O mistério científico do lago que some e reaparece

Embora a lenda seja fascinante, a ciência também oferece uma explicação convincente para o fenômeno. O Loughareema é classificado como um lago efêmero – ou seja, um corpo d’água temporário que não mantém sempre o mesmo volume.

Ele é alimentado por três córregos que descem das colinas vizinhas. O ponto crucial, porém, está em seu dreno natural subterrâneo.

Esse dreno funciona como um sistema de válvula:

• Quando está bloqueado por detritos trazidos pelos córregos (como folhas, galhos e pedras), a água se acumula, elevando rapidamente o nível do lago.

  
  

• Quando a pressão da água se torna muito forte, o bloqueio se desfaz e o dreno volta a funcionar, esvaziando o lago de forma quase repentina.

  
  

• A água drenada segue por canais subterrâneos até desaguar no Rio Carey, a cerca de 2,5 quilômetros de distância.

  
  

Esse processo pode levar apenas algumas horas ou, em alguns casos, vários dias. O resultado é um lago que “aparece” e “desaparece” em ciclos imprevisíveis, tornando-se um espetáculo para quem visita a região.

O hidrogeólogo Paul Wilson, do Serviço Geológico Britânico, explicou em entrevista à Sociedade Geológica do Reino Unido que o lago é “um lugar dinâmico e emocionante, porque nunca sabemos exatamente como ele estará quando chegamos”.

Em uma visita, o visitante pode encontrar uma vasta extensão de água refletindo o céu cinzento; em outra, apenas um campo vazio cortado por uma estrada.

A estrada que atravessa o mistério

Um detalhe curioso torna o Loughareema ainda mais peculiar: uma estrada principal cruza exatamente o local onde o lago se forma.

Isso significa que, em períodos de cheia, motoristas literalmente passam sobre suas águas, como se estivessem atravessando um lago flutuante.

À noite, quando a visibilidade é baixa, o efeito pode ser assustador, reforçando a sensação de estar dirigindo em um cenário sobrenatural.

Essa característica também contribuiu para as lendas, pois viajantes antigos relatavam experiências estranhas ao cruzar o local, acreditando estar sob a influência de forças invisíveis.

(Imagem Ilustração/Créditos:GilAlves)

A importância científica do Loughareema

Apesar de sua fama folclórica, o Lago Desaparecido também é um importante ponto de estudo para a ciência.

Ele oferece uma oportunidade única de compreender melhor:

• Hidrologia subterrânea: como fluxos de água transitam entre a superfície e canais subterrâneos.

  
  

• Dinâmica de lagos efêmeros: fenômeno comum em regiões áridas, mas raro em ambientes temperados como a Irlanda.

  
  

• Impactos ambientais: o lago influencia ecossistemas locais, já que a presença ou ausência de água altera a fauna e a flora da região.

  
  

Embora haja consenso de que o dreno subterrâneo seja a chave do fenômeno, sua formação geológica exata ainda não foi totalmente compreendida.

Pesquisadores acreditam que fendas no calcário local ou tubos vulcânicos antigos podem estar envolvidos.

Turismo, folclore e fascínio popular

Hoje, o Lago Desaparecido é uma atração turística tanto para curiosos da ciência quanto para apaixonados por histórias de mistério.

Visitantes que percorrem a Antrim Coast Road muitas vezes fazem paradas para observar o lago, na esperança de vê-lo “aparecer” ou “sumir” diante de seus olhos.

Guias turísticos locais costumam misturar informações científicas com os contos de cavalos fantasmas, criando uma narrativa envolvente que atrai tanto aventureiros quanto famílias em busca de experiências únicas.

A mística do Loughareema também o tornou palco de registros fotográficos e até curtas-metragens independentes, explorando sua atmosfera etérea e seu simbolismo celta.

Entre o mito e a ciência

O Lago Desaparecido da Irlanda do Norte é um exemplo perfeito de como a natureza e a cultura humana se entrelaçam.

O folclore dos cavalos fantasmas continua a encantar gerações, oferecendo um vislumbre da rica tradição oral celta. Ao mesmo tempo, a geologia moderna revela que o fenômeno pode ser explicado por processos naturais impressionantes, ligados a sistemas subterrâneos ainda pouco conhecidos.

No fim das contas, talvez seja justamente essa combinação – ciência e mito, razão e imaginação – que torna o Loughareema um dos lugares mais fascinantes da Irlanda.

Quem o visita nunca sabe o que vai encontrar: um lago cheio, um campo vazio ou, quem sabe, o som distante de cavalos que não existem.

Fonte: The Geological Society