Flórida se prepara para proibir “rastros químicos” em aviões e reacende debate sobre geoengenharia e desinformação climática.

“As pessoas têm ideias malucas de que podem modificar o clima pulverizando a atmosfera para bloquear o sol e salvar o planeta'' declarou o governador Ron DeSantis.

(Imagem Ilustração/Créditos:GilAlves)

A Flórida está prestes a aprovar uma nova legislação que proíbe, de forma explícita, a liberação de qualquer substância química por aeronaves com a finalidade de alterar o clima, bloquear a luz solar ou modificar padrões atmosféricos.

O projeto de lei, que já passou por comissões estaduais, reflete uma crescente influência de teorias da conspiração no debate legislativo americano e coloca o estado no centro de uma discussão controversa sobre geoengenharia.

Inspirada em uma medida semelhante sancionada no Tennessee em 2023, a proposta torna ilegal a "injeção, liberação ou dispersão, por qualquer meio, de uma substância química, composto químico, substância ou aparelho na atmosfera dentro das fronteiras da Flórida com o propósito expresso de afetar a temperatura, o tempo, o clima ou a intensidade da luz solar".

Caso aprovada, a lei poderá punir infratores com multas de até US$ 100.000 e penas de até cinco anos de prisão.

A origem da teoria dos “chemtrails”

A teoria dos “chemtrails” (abreviação de chemical trails, ou "rastros químicos") surgiu nos anos 1990 e ganhou força com o crescimento da internet.

Segundo os adeptos dessa teoria, os rastros brancos que aparecem atrás de aviões em alta altitude não seriam simples trilhas de condensação, os chamados contrails, mas sim substâncias químicas lançadas deliberadamente na atmosfera por governos, empresas ou agências globais, supostamente com o objetivo de manipular o clima, reduzir a população, ou testar armas biológicas.

Entretanto, nenhum estudo científico reconhecido ou órgão ambiental internacional jamais encontrou evidências de que tais práticas estejam ocorrendo.

Especialistas da NASA, da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) e da Organização Meteorológica Mundial afirmam que os rastros são compostos de vapor d’água que se cristaliza quando os gases quentes liberados pelas turbinas dos aviões encontram o ar frio e seco das altitudes elevadas.

Ainda assim, o medo popular impulsionado por desinformação continua a alimentar pressões políticas.

“As pessoas têm ideias malucas de que podem modificar o clima pulverizando a atmosfera para bloquear o sol e salvar o planeta. Isso não vai acontecer na Flórida”, declarou o governador Ron DeSantis, um crítico vocal de políticas de combate às mudanças climáticas que envolvem geoengenharia.

O que é geoengenharia?

Geoengenharia é o termo usado para descrever técnicas e tecnologias que visam modificar deliberadamente o sistema climático da Terra.

Embora a maioria dessas propostas esteja em estágio experimental ou conceitual, algumas estratégias vêm sendo estudadas por cientistas como forma de conter os efeitos do aquecimento global.

Entre essas abordagens estão o gerenciamento da radiação solar, que propõe refletir parte da luz do sol de volta ao espaço para reduzir a temperatura global, e a remoção de dióxido de carbono da atmosfera.

Nenhuma dessas iniciativas envolve pulverização massiva com aeronaves, e todas exigem rigorosos testes científicos, transparência e supervisão internacional.

(Imagem Ilustração/Pixabay/Créditos: qimono)

Consequências da nova lei.

Especialistas em direito ambiental alertam que a nova legislação da Flórida pode ser mais simbólica do que prática, já que nenhuma operação comprovada de geoengenharia atmosférica é realizada no estado atualmente.

No entanto, críticos apontam que leis como essa podem legitimar teorias da conspiração e desincentivar o desenvolvimento científico de soluções climáticas viáveis.

Além disso, há preocupação com a possibilidade de a lei afetar voos agrícolas, testes atmosféricos legítimos ou pesquisas científicas, mesmo que não envolvam geoengenharia.

Para grupos conspiracionistas, por outro lado, a medida é uma vitória simbólica.

Comunidades online e influenciadores que há anos denunciam os “chemtrails” como uma ameaça invisível estão celebrando a proposta como um passo importante no que chamam de “luta contra a manipulação climática global”.

''O papel da desinformação no debate climático''

O avanço de projetos de lei com base em crenças infundadas destaca o impacto crescente da desinformação na formulação de políticas públicas.

Segundo um relatório da Universidade de Harvard, divulgado em 2024, as redes sociais ainda são os principais canais de disseminação de teorias sem base científica, com aumento de 37% nas menções a “chemtrails” entre 2020 e 2024.

Embora a intenção de proteger o meio ambiente seja legítima, especialistas alertam que decisões legislativas precisam ser baseadas em dados concretos, consenso científico e diálogo com instituições de pesquisa.

Leis motivadas por medo e desinformação podem gerar consequências negativas, tanto para a ciência quanto para a sociedade.

A versão final do projeto deve ir à votação nas próximas semanas. Caso sancionada, a Flórida se juntará ao Tennessee como os únicos estados dos EUA com leis explícitas contra práticas de geoengenharia,mesmo sem qualquer indício de que essas ações estejam ocorrendo.

Referência da matéria: ICLG